"A perfeição não está ligada a rigidez. A perfeição é a integração da luz e sombra de forma consciente. É ser o que se é, é reconhecer as nossas facetas e vivência-las em plenitude."
Faz um tempinho que não comento filmes por aqui, vendo esse post do Universo EcoFeminino, achei bacana compartilhar essa visão psicológica a partir do mito que o propõe:
O filme Cisne Negro mostra um dos mitos mais recorrentes em diversos panteões: O Mito de Descida.
O Mito de Descida fala sobre o encontro com a nossa sombra, uma de nossas facetas, e também nosso processo de individuação e o ciclo vida-morte-vida. Na Suméria, foi a Deusa Inanna (deusa da vida e da fertilidade) que desceu ao Submundo para encontrar a Deusa Ereshkigal (deusa da morte, rainha do inferno). Na mitologia grega temos o rapto de Core (a jovem, a virgem). Neste mito, o Deus Hades, fascinado pela beleza da jovem, leva-a para o mundo subterrâneo, desposando-a e fazendo dela sua rainha e esposa (Perséfone, Rainha do Submundo).
No filme, Nina (Natalie Portman), uma bailarina, representa Core (mulher infantilizada, graciosa e ingênua) em seu processo de descida. O processo está inconsciente até ela conseguir o papel principal da peça “O Lago dos Cisnes” e ter que representar os dois cisnes (branco e negro) e se deparar com a grande dificuldade em interpretar o Negro, pois ele representa o ser Rainha da própria vida, se tornar mulher, o se desvincular de sua mãe e lidar com a Sombra.
Assim como no mito, Nina possui uma mãe (Erica) que a protege e mima, além de projetar nela a sua carreira não realizada. Ela controla a filha e a sufoca, não deixando-a amadurecer e andar pelas próprias pernas. Essa mãe (arquétipo de Deméter) está atuando no lado sombra, pois o papel de nutridora e doadora de vida ultrapassa e atua no lado controlador e manipulador. A mãe vê que sua filha não é mais uma menina (Core), e tenta de todo jeito mantê-la nesse estado. O quarto é cheio de bichinhos de pelúcia, caixinha de música, ela coloca-a pra dormir, penteia o cabelo e faz tudo para Nina. Ela começa a se frustrar quando vê que está perdendo o controle.
O diretor artístico da academia (Thomas) é o arquétipo de Hades, que a seduz e faz com que a sexualidade dela desabroche. Ele rapta-a psicologicamente. Ele percebe que Nina é assexuada, inibida e que a rigidez interna dela impede que sua dança flua. Ele estimula Nina a pensar em sexo. Ele também a beija e a toca.
A nova amiga da academia, Lily, é o arquétipo de Afrodite. Mulher livre, dona de si, com sexualidade bem resolvida. Ela é criativa, alegre e dança de forma despretensiosa. Quando Nina se depara com isso, se sente ameaçada, pois ela pode tomar o seu lugar. E ela, ainda como Core, vê que não recebe mimos na academia como em casa, com sua mãe. O mundo é cruel. Nina também não sabe como lidar com o Cisne Negro que começa a florescer dentro dela (rapto de Hades).
O ápice do rompimento se dá no momento em que ela enfrenta sua mãe e sai para dançar com sua amiga Lily, sem culpas, de forma libertadora.
A descida realmente acontece quando ela se descobre como mulher, se toca, sente prazer, se entrega, se liberta, tem fantasias. O Cisne Negro desperta e no filme mostra Nina com asas.
No fim do filme, Nina integra o Cisne Branco com o Cisne Negro (Core e Perséfone – Virgem e Rainha) quando se entrega e deixa fluir, vivencia os dois lados, e ela fala: Foi perfeito! A perfeição não está ligada a rigidez. A perfeição é a integração da luz e sombra de forma consciente. É ser o que se é, é reconhecer as nossas facetas e vivencia-las em plenitude.
A morte no final é mais uma morte simbólica, no sentido de que Nina deixa um estado para outro. Ela integra as duas facetas. Em todo processo de descida deixamos algo para trás, algo morre para dar lugar a outra coisa, outro estado. São os ciclos de vida-morte-vida, as transformações.
©Texto de Ana Karina Lunelli.