por Milene Siqueira
Embora a autoestima pareça ser um desejo da maioria dos
mortais, sabemos rasamente sobre o assunto, e que vai pouco além da vontade de
ter uma boa autoestima.
Neste artigo vou dar uma certa reviravolta no assunto, apontando onde inicia, a identificar o que afeta, o quanto nos limita essa
falta ou baixa autoestima e até mesmo quando essa busca nos prejudica. Para
chegar a todas essas nuances que o assunto merece o texto ficou longo, mas vale tirar
um tempinho para iniciar este importante conhecimento.
Pra começar, o que é essa tal autoestima? O dicionário diz que é ter por si
mesmo consideração, apreciação, respeito, confiança, afeto.
Estética: autoestima ou pseudo autoestima?
Tem se associado autoestima com aparência. Alguns até pensam
que é usando a roupa da marca W, frequentando o lugar X, fazendo a
plástica Y, andando no carro Z, que pode-se "comprar" esta
autoconfiança, resolver os conflitos do gostar de si mesmo. Ledo engano.
Cuidados estéticos e aquisições podem sim harmonizar a imagem.
Se cuidar, se arrumar, é bem estar para conosco e até consideração com o outro,
mas há confusão entre um bem estar saudável e a autoestima que
não tem a ver com ter, mas sempre com o Ser.
Uma pessoa firmada em sua autoestima tem a aparência como reflexo e
consequentemente a importância estética é diminuída, porque será mais comum
passar a gostar como somos, e usando dos recursos que
temos mas que antes não víamos para valorizar nossa imagem, do que partir para uma
mudança que acabe sacrificando, seja o sacrifício
de tempo, das finanças, da saúde, do físico, do humor, enfim...
"Autoestima é
a possibilidade ética de eu gostar de mim.
A
pessoa sem autoestima procura na estética o jeito de gostar de
si.”
Valores do Ser que não sejam reconhecidos por si mesmo, são buscados esteticamente não como complemento
para valorizar o que se tem, mas para mudar o que se é, encaixar-se em padrões sociais (mascarando-se), e é quando você não sente-se à vontade consigo.
Autoestima não condiz com sacrifício, mas sim com aceitação e compreensão. E as mudanças serão consequências.
A base da autoestima começa na infância
Com base nas publicações do pediatra e psicanalista
Donald Winnicott (1896-1971) autoestima adquire-se na infância. É quando
percebemos que nosso lado "mau" (raiva, agressividade, frustração) não é tão mau assim, e que sentir raiva não destrói ninguém. Mas para tal referência é necessário que a frustração da
criança seja suportada pelo outro (seu cuidador) e então a percepção infantil
se estrutura para que seja suportada por ela própria - somos então
capacitados na infância às frustrações através dos limites que o cuidador (em
geral os pais) nos concedem. Sem limites, a coisa fica complicada. É um caminho neurológico,
trabalho para o sistema límbico.
Inclui-se também a importância dos elogios e
dos cuidados (a não negligência) durante a infância.
Os valores adquiridos na infância sustentam a
permanência do equilíbrio no adulto, norteia neurologicamente o “bom senso”, e os primeiros conceitos do gostar de si mesmo.
Dar limite é dar educação, é se importar, é
significar, e é afeto! E autoestima e afeto caminham juntos.
*Para saber mais sobre a supra importância dos limites na educação sugiro ver aqui e aqui palestras do psicólogo
Ivan Capelatto.
Dependentes do reconhecimento
Cada vez que “compramos” a ideia da capa da
revista, da tendência que está fora do alcance, do prazer imediato, do alpinismo social, do sacrifício ao invés da aceitação de si, um passo distante do afeto
estamos dando.
Mas se é tão ruim por que compramos a ideia?
-Compramos porque queremos afeto. Sim, paradoxal.
Queremos reconhecimento que nos signifique. Mas ao invés de buscar dentro, lançamos o desejo para fora, e aí podemos correr o risco de ficar dependentes do afeto do outro. Quanto menos tenhamos recebido esta significação (afeto) no
decorrer da infância, mais tempo passaremos pela vida à procura em busca de sermos vistos, reconhecidos, "curtidos”. Confundimos o afeto e relegamos seu poder, quando ainda não o descobrimos por nós próprios.
A obesidade pode passar por este caminho (não é regra) indo
na contramão da modelo na capa da revista, mas que não faz diferente. O corpo
ganha volume para dizer: me veja, me note, me ame. Pode ser em decorrência de um
pai que não fez vínculo, de uma mãe distante, e um casamento que confirma a “invisibilidade”. Não importa a idade, é a criança ainda que pede pelo acolhimento do olhar, pela sua nutrição, pelos limites
não conhecidos, pelo afeto por si não reconhecido.
Baixa autoestima
A chamada baixa autoestima busca fora a aprovação (afeto) que não conhece por si mesmo, e mostra suas facetas:
- Não saber dizer não; querer ser sempre a boazinha/bonzinho; submissão nos relacionamentos - fazer
mais do que suas possibilidades em benefício à agradar ao outro; não se
posicionar perante seus direitos; fuga da escuta repreensiva e má reação
às críticas (ou dificuldade de ouvir/codificar para além do pessoal);
extrapolar o orçamento; exageros estéticos ou físicos; "pegar" o
problema do outro; ser a "vítima"; dependência, carência;
compulsão; acúmulo de objetos "afetivos"; ansiedade envolvendo aprovação e reconhecimento; discrepância entre
o que se deseja e o que se tem/conflito interior; comparação (distância do
Ser); negatividade; magoa-se facilmente; culpa (consequência). E mesmo uma elevada autoestima (superioridade)
ou uma tirania pode mascarar uma baixa autoestima.
A cilada da elevada autoestima
É muito comum uma alta autoestima esconder uma baixa autoestima. A psicóloga e escritora Kristin Neff foi mais radical e faz um "abaixo à autoestima", pois segundo ela o perigo é a superioridade que vem no pacote autoestima. E quando falta informação e a busca externa é a motivação, é o que de fato acontece, sobretudo numa sociedade que associa aparência, posição social e euforia com autoestima.
A proposta da Kristin é a de que troque-se a autoestima pela autocompaixão, em favor do não narcisismo e do não julgamento. É uma boa proposta quando não temos todo o conhecimento do que significa de fato autoestima, porque quando ela é real não existe a comparação (superioridade/inferioridade).
Comparação - alimento usual da baixa autoestima
Se você deseja autoestima, comece por perceber as comparações.
A comparação não é causa da baixa
autoestima, mas a evidencia e a alimenta.
"A
comparação priva-nos do que é útil para atender
exigências
alheias, priva-nos do que é nosso ser em si e em efeito! "
Sempre que nos comparamos com o outro em qualquer aspecto
que seja, perdemos o contato com o Ser, porque não lhe é inerente.
A comparação é a percepção incômoda de que inevitavelmente o olhar do outro pousará em nós. O que nos apavora é o julgamento, porque induz
à perda. Que no íntimo é a fragilidade da perda do afeto do outro (sem autoestima).
E os tememos quando também
comparamos e julgamos!
O preço da comparação é muito alto, é viver exausto pela
inalcançável exigência alheia. Colocando defesas contra este
'ataque', ficamos cada vez mais desvitalizados, longe do Ser. Considere defesas: ir atrás da obtenção do que o outro espera, tentar ser melhor que o outro, se esconder da crítica do outro, desdenhar/cinismo com o outro.
A comparação também se dá com ideologias, objetos,
ambientes, lugares. Quando tal comparação - depreciativa pelo que nos
circunda - nos impossibilita de reconhecer ou recriar o significado dos valores
próximos - já é sinal da distância (do Ser). O que está fora em
geral é melhor, e quanto mais longe melhor parece (paralelo ao sentimento interno/procura do afeto). O discurso da baixa autoestima é uma
cegueira dos valores próximos - a busca está fora, longe do alcance. É a capacitação desmerecida, é um curso a fazer, é a roupa que não se acha que tem no armário, é a culpa na corrupção, e faz-se o desperdício desde talentos aos bens comuns. E valores que não são encontrados em si mesmo, anulam a
criatividade tanto quanto as possibilidades.
A grama mais verde do vizinho é um fato sem
argumentos, pensar e dizer sobre o quanto a grama do vizinho é verde põe
a atenção em outro lugar mas não modifica a minha grama. Mas deixar
espaços, plantar, cuidar e regar a minha "grama" é a possibilidade
real (e muitas vezes não cogitada!) de deixá-la verde.
Talvez tenhamos sido exaustivamente cobrados na
infância, o olhar que pousou em nós pode ter sido bastante duro e negativo, talvez tenha faltado o elogio, ser significado, ter conhecido limites, ou educado por pessoas que também não conheceram o seu próprio afeto. Mas agora crescemos e precisamos amadurecer. E para tanto é necessário deixar de lado as exigências alheias a nosso respeito, e projetar toda essa energia para olhar e significar o “nosso ser em si e em efeito".
Autoconhecimento - Abrindo o presente que você é!
Mesmo que bem tenhamos a autoestima como base na infância, seu desenvolvimento é contínuo através da conscientização.
O autoconhecimento é a trajetória do Alquimista, aquele que sai do seu lugar em busca do tesouro. Ele caminha, caminha... até se dar conta de que o tesouro sempre esteve no lugar de origem. E quando acha, "finaliza". É este o ciclo.
Os problemas aparecem quando a busca não é iniciada, ou quando se torna inalcançável, sem elaboração do fim, das conclusões que nos lancem de volta ao "tesouro", ao Ser. Os problemas mais comuns aparecem como compulsões: compras, comida, sexo, trabalho, a busca pela perfeição. Depois as patologias que dependerão também de outros fatores, mas que em geral estão relacionadas com o sem fim. O TOC (transtorno obsessivo compulsivo) é fazer compulsivamente algo adiando seu fim, o pânico o medo do tempo de confronto com o sem fim, o câncer é a célula que se reproduz sem fim, exemplos de algumas patologias.
Quanto menos conhecimento a pessoa tem de si mesmo, menos livre ela é. Portanto o autoconhecimento é a sementinha de todos os processos.
E como gostar de quem você não conhece, do próprio presente que você nunca abriu? Só que curiosamente sem autoestima ou a exacerbando, o autoconhecimento pode não acontecer ou fluir! Por isso acredito na compaixão e na ética como as primeiras práticas no desenvolvimento da autoestima:
Compaixão e Ética - a autoestima em ação
Podemos "praticar" autoestima, e uma das melhores maneiras pode não ser um trabalho diretamente conosco como se pensaria a princípio!
Compaixão - o olhar não exigente
“Eu aprendi a me tratar muito bem. E aprendi isso me tratando bem como eu trato os outros”
Clarice Lispector
Um caminho para reconhecer o amor por si mesmo é pelos limites que não temos controle diretamente: os alheios. Ter compaixão.
Trocar o julgamento que a comparação faz, pela compaixão.
Como humanos não somos perfeitos em nossa personalidade, em nossas ações. Erramos. E tudo bem. Lidar bem com isto parte de como aceitamos os limites através da percepção que temos sobre os limites do outro. É quando invertemos o exigente olhar alheio que é lançado sobre nós, por uma resposta mais suave e sem exigências da nossa parte.
Na compaixão, lidamos diretamente com o afeto. Diferente da ideia da compaixão que salva o outro, é a compaixão que respeita, que abre espaço para ouvir o outro, tentar compreendê-lo, ajudar se possível, e retira as exigências.
Diz um ditado que não poderíamos julgar ninguém se ainda não andamos mil léguas com seus sapatos. Acho que é este o sentimento da compaixão, sem que seja necessário calçar-lhe os sapatos fisicamente.
E vale frisar que compaixão não se trata de amar ao outro mais que a si. O mandamento bíblico já adverte: ame ao próximo como a ti mesmo. Não diz ame mais (baixa autoestima/inferioridade), nem ame menos (alta autoestima/superioridade), diz ame igual. Equilíbrio.
Ética - educação dos limites
"Não
é a consciência do homem que lhe determina o ser,
mas, ao contrário, o seu ser
social que lhe determina a consciência"
Ética vem da palavra grega Ethos e significa o modo de
ser. Ethos significava a morada do homem, a princípio a Natureza.
Ética é um conceito que visa o bem da
coletividade, e está estritamente ligado à prática do bom senso.
Podemos nos guiar pelo conceito que diz que ética é educação da vontade (aquela que devemos ter aprendido na infância pelos limites), e que resultaria no equilíbrio entre o querer, o poder e o dever.
Esse mínimo de equilíbrio entre o que se quer, pode e se deve é o ser
social, e que agrega valores de autenticidade. Em primeira instância esses valores me auxiliam a ter harmonia comigo - sobre meus próprios limites - e simultaneamente esbarra nos limites alheios e colabora com o outro, o ambiente, a sociedade.
Uma pergunta a se fazer sobre nossas vontades é se podemos e se devemos. Do contrário reavalie o "querer", que pode estar ligado à necessidade de afeto não atendida.
Ou se fazemos e devemos mais do que o nosso querer...
Essa noção sobre as nossas vontades é muito sutil... mas é necessário que seja vista, ou melhor, sentida.
O templo que habito – corpo, autoestima em movimento
É através do corpo que nos comunicamos com o ambiente, com o outro e também conosco, nos sentimos parte da existência e do fluxo de dar e receber quando temos consciência deste corpo. Quando ficamos muito tempo sem receber o toque, vamos perdendo a noção dos nossos limites, da autoimagem. O corpo através do toque, do olhar, do olfato e do paladar é nosso canal de comunicação com o afeto. Respiração, atividades corporais e massagens que nos conscientizem e nos integrem ao corpo são muito bem vindas. Através destas atividades, vamos percebendo o corpo interior também, este que sustenta e equilibra esse corpo perceptível.
Importante aceitar esse templo como é, se sentir à vontade com ele, explorar as possibilidades de alongar-se, de se movimentar, de olhar, de cheirar, de sentir. Ficar íntimos de nós, lugar de aconchego.
A aparência (através da forma de se vestir, andar, se comportar, etc) é comunicação visual, e que ganha mais significado e valorização com a autoestima. Pensamos que seja ao contrário e às vezes ajuda sim, uma orientação de como se vestir, o que fica bem com o seu corpo, por exemplo.
Mas quando a autoestima vem em primeiro lugar, enquanto valor do Ser, o entorno é que costuma acompanhar - a diferença é que a estética deixa de ser uma busca para você se gostar, e passa a ser um complemento porque você gosta de você. E esta diferença não é difícil de se notar!
Autoestima e sociedade
Autoestima é fundamento para a construção de uma
sociedade com muito menos violência, enfermidades, corrupção, sujeira, abandonos e desperdícios.
É o ser criativo e lúcido, que não só deseja, mas realiza o melhor para si e para o outro, agente das mudanças que colaboram com o bem comum.
Se você chegou até aqui neste texto, pratique e leve essa mensagem adiante. Que cuidemos das crianças, dos jovens e conscientizemos os adultos para encontrarem-se com o afeto que mora do lado de dentro!
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