Esse texto pode ser ouvido também no podcast Sentidos
Às vezes eu penso que o sofrimento, ainda é igual àquela
minha primeira semana no Gutemberg.
O pré já foi um desafio, mas nada comparável a Johannes Gutemberg
– que era o nome da escola onde fui cursar a primeira série. Acho que fiquei
semanas imaginando o quão terrível seria ir para aquela escola. Romper as horas
que eu passava com minha mãe, ou brincando em casa ou na rua com as amigas.
Aquela escola era o pesadelo, era longe, paredes e escadas
de concreto cinza. Janelas estilhaçadas, muros pichados. O cheiro esquisito e
entorpecente que vinha da cozinha até hoje não saiu do meu nariz. Me lembro de
olhar com nostalgia pelos buracos da janela, sonhando em voltar para casa, com saudades
de tudo, enquanto a professora tava lá explicando as letrinhas.
Até que não demorou muito e eu dei uma leve surtada... Com muito choro... me recusei a ficar naquela
escola. Daí, veio a professora me
acalmar e ela teve um plano... me colocar como primeira da fila e me deu a
tarefa de recolher todos as cadernetas para serem carimbadas com presença –
todo dia então eu teria essa responsabilidade. E assim foi... que me dando algum
sentido para ir para escola, que arduamente consegui terminar aquele ano até
finalmente sair de lá. Da segunda à oitava série, foi quase o paraíso, tinha
amigos, a escola era mais perto, bem arrumada e com jardim – foi uma obra do
Maluf na época.
No segundo grau, fiz técnico numa escola bem disputada. Foi
complicado de novo romper vínculos, muitos não davam conta e saiam. Mas na sala
cada um tinha vindo de uma escola, poucos se conheciam, e nisso nós fomos
formando bons vínculos nesse primeiro ano. Mas eu suava frio em toda aula de
matemática. Já no segundo e terceiro ano, nos dividiram, e pouco podíamos conversar porque viramos salas concorrentes, dentro dos trabalhos que seriam desenvolvidos.
Foi outro ano bem difícil, além de estudar de noite, a maioria trabalhava e
chegava esgotada na escola. Era todo mundo bem independente e tinha uma frieza
coletiva. Meus maiores vínculos afetivos tinham virado ocupados e concorrentes!
Me deprimi horrores nesse ano.
É assim o sofrimento. Porque somos seres interdependentes,
seres de vínculos. Tudo ao nosso redor nos faz. Paredes, texturas, cores, cheiros,
imagens, vibrações, sons, pessoas, tudo ao redor.
Desastres, guerras, separações, perdas, mortes, pandemias, preconceitos,
discriminações, desmatamentos, poluição. Tudo que nos divide, causa medo, sofrimento
e dor.
E nesse sentido podemos minimizar sofrimentos, o quanto mais
soubermos sobre interdependência. Podemos ser mais conscientes em fazer escolhas,
e em tornar o mundo um lugar mais bonito, limpo, unido, acolhedor e pacífico. Tarefa
nossa a de cultivar jardins tanto externos quanto internos.
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