06 setembro, 2010

Conto - Morte por Perfume

Os óleos essenciais não devem ser usados, os mesmos, por um tempo prolongado e contínuo. O mesmo é válido para quase todos os usos, de medicamentos à shampoos, até costumamos dizer: perdeu o efeito!


Sabidamente alguns óleos essenciais, passam de estimulantes a relaxantes conforme a porcentagem utilizada. Óleos com características mais acentuadas como estimulantes ou sedativos, caso da classe química das cetonas, por exemplo, isso fica mais evidenciado.


O conto abaixo é belo por contar como os aromas descortinam as emoções, e também a respeito da inversão das polaridades através do excesso:

Morte por Perfume

No final do século X, período em que floresceu a mais refinada literatura no Japão, destacaram-se algumas vozes femininas com extraordinários contos, profundos romances, poesia imortal e erotismo. Este conto foi escrito na Corte de Heian pela dama Onogoro :

"Era uma vez um cortesão infiel que enganou sua amante com três mulheres diferentes em uma noite. Uma das mulheres, criada da senhora, confessou o que fizera chorando, e esta, que estava cansada das tolices do amante, concebeu um plano para livrar-se dele.

Na visita seguinte do cortesão, fingindo uma atitude doce e confiada, ela lhe rogou que a acompanhasse até o quarto onde eram misturados os perfumes, com o pretexto de confeccionar um aroma que fosse exclusivamente deles. O cortesão, que jactava de ser um conhecedor da arte do perfumista, seguiu-a ansioso ao aposento de mármore onde ferviam os recipientes das mesclas, longas tiras de folhas de angélica secavam penduradas e pétalas de primaveras noturnas entregavam seus óleos sob a pressão de grandes pranchas de ferro.

O cortesão nunca tinha sentido antes essa mistura de aromas e suas narinas estremeceram com a harmonia de mimosas e violetas, de madressilva e bálsamo de limão e jacinto silvestre. Ao passar perto do morteiro, tomou entre os dedos uma pitada de noz-moscada e cravo, e amassou os cristais da crosta da árvore de cânfora, ao mesmo tempo em que recitava trechos de poemas que lhe pareciam relevantes, porque, temos que dizê-lo, tudo o que podia recordar eram trechos.

Ocultando seu desprezo por tamanha complacência de si mesmo, a dama abraçou seu amante com paixão e lhe prometeu uma sensação totalmente nova. Intrigado, o cortesão foi facilmente persuadido a tirar a roupa e estender-se sobre uma túnica que sua amante colocara no chão.
A dama começou a aplicar gotas de lírio e cravo nas têmporas do cortesão, e foi seguindo até atingir a branca fenda na base do pescoço, que recebeu a potente essência de calêndula. Sob as axilas colocou milefólio e genciana e continuou com suas gentis atenções até ter distribuído fragrâncias por todo o corpo extasiado de seu amante.

No entanto, o que a dama sabia é que , assim como excesso de yin se transforma no principio yang, também certas doses de essências de flores curativas e estimulantes podem tomar um aspecto negativo.
Uma vez mais inclinou seus frascos sobre o corpo do cortesão, e a mostarda provocou em seu amante uma súbita e profunda melancolia, e a mimosa o encheu de medo das doenças e de suas consequências, e o lariço o convenceu do fracasso, e o azevinho espetou seu coração com invejosa raiva, e a madressilva trouxe lágrimas de nostalgia aos seus olhos.
O urze, acrescentado em certa proporção secreta, exagerou ao extremo os mais ínfimos desgostos, e o zimbro o desanimou, e a clematite o aturdiu, e o olmo o arrasou pensando em suas deficiências e a maça silvestre o convenceu que era impuro. O botão de castanha provocou-lhe a lembrança compulsiva de seus muitos erros, e o salgueiro causou-lhe o ressentimento da boa fortuna do próximo, e o álamo o fez suar e tremer com vagas apreensões, e o urze o convenceu de que sua mente falhava, e a rosa silvestre resignou-o à apatia, de modo que já não lhe importava viver ou morrer, mas teria preferido, de uma vez por todas, o último.
Satisfeita de tê-lo preparado até esse ponto, a dama administrou mais dois toques de maçã silvestre em suas têmporas para exacerbar o ódio a si mesmo. Desvanecido de desprezo por si mesmo, seu amante rogou-lhe que desse uma dose fatal para pagar assim todos os seus crimes contra ela. A dama, vendo o cortesão vencido em seus braços, ficou com pena de seu tormento e colocou uma gota de acônito em sua língua impaciente. Assim morreu o amante infiel, desnudo e aliviado, e desde a morte do próprio Príncipe Luminoso não houve outro corpo tão perfumado no próprio funeral."

The Pillow Boy of the Lady



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