28 março, 2022

Avalon

 


A terra mística de Avalon foi imortalizada no ciclo Arturiano, o mais conhecido herói celta, e em torno dela realidade e ficção se confundem envolvendo em brumas a história do lugar.

Avalon se situaria a sudoeste da Inglaterra, no local onde há o monte chamado Tor e a Abadia de Glastonbury. O Monte do Tor é envolvido por brumas, e o próprio nome Tor significa “passagem”.

Nas antigas lendas celtas, existia a Ilha dos bem-aventurados, algo como os campos Elísios dos Gregos ou o Valhalla dos germânicos, local de abundância e alegria. Com o passar do tempo a visão desta terra se fundiu com a lenda de Avalon, visto que era uma ilha cercada por brumas, de difícil acesso, e por ser imaginada como um paraíso, a terra das maçãs, que representam para os celtas o conhecimento e a magia.

Avalon também está associada à Terra da Juventude, um reino mítico no qual os habitantes são imortais.

Na versão mais conhecida e consagrada no clássico “As Brumas de Avalon” de Marion Zimmer Bradley, Avalon era uma ilha cercada por brumas que somente uma sacerdotisa poderia afastar para descobrir o caminho até a ilha, lá era o refúgio da antiga religião que foi reduzida pelo catolicismo.

Fonte

18 março, 2022

O Perfume , Patrick Süskind


Ouça trechos aqui no podcast:

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Quem pouco conhece sobre óleos essenciais, acaba tendo uma visão restrita, quando não incompreensível do filme O Perfume. 

Convido a esta instigante viagem sensorial, com trechos desta maravilha literária do alemão Patrick Süskind.

por Milene Cristine Siqueira

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O Perfume mostra a fixação do personagem Jean-Baptiste Grenouille em conseguir - à primeira vista - identidade, amor e domínio. Mas não era qualquer domínio, nem qualquer identidade, nem qualquer amor...

 “...Queria ser o Deus onipotente do aroma, como o fora em suas fantasias, mas agora no mundo real e sobre pessoas reais. E ele sabia que isso estava em seu poder. Pois as pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza, e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou de palavras sedutoras. Mas não podiam escapar ao aroma. Pois o aroma é um irmão da respiração. Com esta, ele penetra nas pessoas, elas não podem escapar-lhe caso queiram viver. E bem para dentro delas é que vai o aroma, diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente entre atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas.”

Grenouille entusiasma-se com esse objetivo ao sentir o aroma de uma jovem ruiva, aquela a quem entre tantos cheiros, ele - com sua capacidade olfativa singular -reconhece ser o aroma da Perfeição: 

“...Este perfume tinha frescura; não era, porém, a frescura das limas ou das laranjas, a frescura da mirra ou da folha de canela, ou da hortelã, ou das bétulas, ou da cânfora, ou das agulhas de pinheiro, nem a de uma chuva de Maio, de um vento gelado ou da água de uma nascente... e continha simultaneamente calor; mas não um calor semelhante ao da bergamota, do cipreste ou do musgo, nem ao do jasmim ou do narciso, nem ao de um bosque de rosas ou de íris... Este perfume era uma mistura de ambos, do que passa e do que pesa; não uma mistura, mas uma unidade, e, além disso, humilde e fraco, e, no entanto, robusto e resistente como um pedaço de seda fina e brilhante... e, todavia, não como a seda, mas antes como o leite com mel onde se molha um biscoito, o que nem com a melhor das boas vontades se conjugava:leite e seda! Incompreensível este perfume, indescritível, impossível de classificar! Não deveria, na realidade, existir. E, no entanto, ali estava com a mais absoluta das obviedades...” (*1)

Eu li o livro em 1995, e a cena grotesca do nascimento de Grenouille sob a mesa de limpar peixes na Paris de 1738, era tão vívida em minha lembrança tal qual o filme mostrou, quando o assisti em 2007.

A cena do nascimento deve ser proposital, pois é fato de que o corpo humano em excitação sexual exale um odor similar ao de peixes e mariscos. Grenouille será o primeiro dos outros quatro filhos nascidos na mesma situação que irá nesse ambiente podre e fétido - em meio ao lixo e peixes em decomposição - jogado na sombra e no cheiro da vida que fenece, sobreviver.

Nesse ambiente onde se mesclam o cheiro da fertilidade e da morte, Grenouille nasce com uma capacidade olfatória singular e a usará como o usa um animal predador, ou menos, pois Süskind o compara a um... carrapato.

 “...O grito depois do seu nascimento, o grito sob a mesa de limpar peixe, o grito com que ele se tinha feito notar e levado a mãe ao cadafalso, não fora um grito instintivo de compaixão e amor. Fora bem pesado, quase se poderia dizer um grito maduramente pensado e pesado, com que o recém-nascido se decidira contra o amor e, mesmo assim, a favor da vida. Nas circunstâncias, isto era possível sem aquilo, e, se a criança tivesse exigido ambos, então teria, sem dúvida, fenecido miseramente. Também teria podido, no entanto, escolher naquela ocasião a segunda possibilidade que lhe estava aberta, calando e legando o caminho do nascimento para a morte sem esse desvio pela vida, e assim teria poupado a si e ao mundo uma porção de desgraças. Mas, para se omitir tão humildemente, teria sido necessário um mínimo de gentileza inata, e isto Grenouille não possuía. Foi um monstro desde o começo. Ele se decidiu em favor da vida por pura teimosia e maldade.”(*2)

Grenouille ainda irá sobreviver em vários episódios narrados no livro. “...Tinha a resistência de uma bactéria”  - o que justifica a aparência de frágil, manco, com cicatrizes e escoriações que apresenta o personagem no filme.

Grenouille tem um olfato incomum, mas não possui cheiro!

Para os personagens que faz contato, deixa sempre um rastro destrutivo“...devorava tudo, absolutamente tudo e absorvia tudo”.

Uma pena que no filme não se conte a história de Madame Gaillard, do padre Terrier, nem das amas que o rejeitam, pois “ ...ele suga-lhes até os ossos...” , do fato incomôdo de que Grenouille causa à todas as pessoas que são invadidas (cheiradas) em suas emoções mais profundas. Da estranheza que causa, afinal não é possível 'cheirar' quem é Grenouille.

Até que finalmente encontra Madame Gaillard com seu nariz torto:

 “...Quando era ainda uma menina, o pai batera-lhe com um atiçador na fronte, mesmo por cima do começo do nariz e ela perdera o olfato, juntamente com toda a noção do calor ou da frieza humanos e da paixão em geral...”

E assim, lhe é aceitável em seu orfanato, até que mais tarde Madame Gaillard começa a notar em Grenouille diversos poderes “...sobrenaturais”, como saber (cheirar) quando as pessoas estão chegando. Até o medo maior de que ele também descubra seu dinheiro guardado, e assim trata de livrar-se dele.

É fato que a primeira vez que assisti ao filme, não notei alguns detalhes, nossos olhos acabam ficando receosos, sobretudo dos assassinatos. Tem muitas cenas escuras, pois além da época, a claridade dá o contraste – como morte e vida - a luz revela os belos campos de lavanda ou o verde das montanhas.

Há uma cena memorável do perfumista Baldini, interpretado por Dustin Hoffman, que viaja no atemporal em cores, leveza, amor e frescor ao sentir um perfume elaborado por Grenouille.

 “...Baldini cerrou os olhos e pôde ver nele despertadas recordações das mais sublimes. Viu-se caminhando, jovem, por jardins, à noite, em Nápoles; viu-se deitado nos braços de uma mulher com negras franjas e viu a silhueta de um ramalhete de rosas no peitoril da janela, pela qual soprava um vento noturno; ouviu pássaros cantando e, de longe, a música de uma taberna; ouviu coisas sussurradas bem pertinho do seu ouvido, um eu-te-amo, e sentiu como seus cabelos se eriçavam de puro deleite, agora! Nesse instante! Gemeu de prazer....Era algo de inteiramente novo, capaz de criar por si todo um universo, um universo maravilhoso e luxuriante e logo se esquecia o que o mundo à volta possuía de repugnante. Uma pessoa sentia-se rica, livre e boa... Os cabelos eriçados do braço de Baldini se deitaram e uma sedutora paz de espírito dele se apossou...”

Grenouille só irá perceber que não cheira a nada bem mais tarde, quando se retira nas montanhas, lá onde até então pensara ser feliz, no lugar onde não haviam comparações...

Numa cena do filme, Grenouille passa por cães de guarda, que dormem, sem ser de forma alguma notado – aparecendo mais nitidamente aos nossos olhos como se sente: um fantasma.

 “...Desde jovem estava acostumado a que as pessoas que por ele passavam nem sequer tomassem conhecimento, não por desconsideração — como uma vez havia acreditado — mas porque não notavam a sua existência. Não havia espaço algum em torno dele, nenhum impulso de onda que ele, como as outras pessoas, emanasse na atmosfera, nenhuma sombra, por assim dizer, que ele tivesse podido projetar sobre o rosto das outras pessoas.” 

Não é contado no filme, mas a primeira possibilidade de Grenouille ser notado é quando formula para si um perfume com cheiro humano, o cheiro superficial, mas o suficiente para enganar as pessoas – consegue ser “visto”! Inclusive, Grenouille usando desse artifício melhora sua postura corporal.

Só que a partir daí... Grenouille tem uma ideia que lhe faria mais do que um igual...

Em Grasse, de posse das essências (almas) das jovens, Grenouille finalmente irá elaborar “O Perfume” na cena mais surpreendente do filme.

A cena na Place dus Cours onde seria executado, que vista sem entendimento irá parecer completamente desprovida de sentido - como nada além de uma grande orgia - é o contexto aqui descrito:

 “.... seria capaz de criar um odor que fosse não só humano, mas sobre-humano, um odor angélico, tão indescritivelmente bom e com tanta energia vital que quem o cheirasse ficaria enfeitiçado, ficaria sob um encantamento, tendo de amar de todo o coração a Grenouille, o portador desse fantástico aroma. Sim, amá-lo é o que deveriam quando estivessem sob o fascínio do seu cheiro, não apenas aceitá-lo como igual, mas amá-lo até a loucura, até o sacrifício pessoal; deveriam tremer de encanto, uivar e gritar, chorar de prazer, sem saber por quê, cair de joelhos — isto é que deveriam fazer como sob o incenso frio de deus, só por chegarem a cheirá-lo!”

Grenouille revestido de toda aura aromática de apenas uma gota do “Perfume”, transmuta-se para as pessoas em Anjo ou na personificação do melhor que elas crêem. Diferentemente do que parece, as pessoas não se desnudam com o olhar da moralidade com o qual podemos assistir. O “Perfume” é a descrição da primeira jovem (*1), o aroma da união dos opostos, da totalidade, da Unidade!

As pessoas entram no seu paraíso pessoal, numa nuvem espiritual que toma todo o ar, só há a embriaguez do êxtase para respirar... da liberdade, da alegria, da inocência.

E desprovidos de qualquer razão, e portanto dos preconceitos, do julgamento, do Bem e do Mal, de um passado e de um futuro, transcendem como podem, profano e sagrado são um só, buscando através dos seus corpos também ser Um - inebriados dão-se, acolhem-se, fundem-se. É a alegoria de um arrebatamento indescritível, nos dando uma mostra à semelhança dos aromas mais sutis na natureza, que são pura onda de energia vital/sexual!

O pai de Laure, Richis, vê a legitimidade em essência de sua filha, aromaticamente vestido em Grenouille.

 “...O olhar de Richis pousava sobre ele. Amor infinito havia nesse olhar, delicadeza, comoção e a profundidade oca, boba, de quem ama.”

Grenouille num primeiro momento comemora seu feito, ri, vive o grande triunfo. Mas não demora muito para ir do êxito ao fracasso, cair em si e derramar uma gota de lágrima. Proporcionara às pessoas a embriaguez do Amor, mas ele, Grenouille, começa a se sentir mal, sufocado da falta de si mesmo.

Frustrado, começa uma caminhada de volta à Paris. Com o Perfume no bolso, sabe que detém de um poder que lhe pode proporcionar qualquer coisa, pois faz as pessoas amarem. Mas já nada importa, pois sabe que com toda riqueza e todo poder que poderia ter, nada disso lhe faria ter seu próprio cheiro e então ser alguém, e mais que ser alguém para os outros, agora percebera o mais importante  “...não podia cheirar a si mesmo e, por isso, jamais saberia quem ele era”.

E constata sobre o Perfume, e seu próprio paradoxo “...o único que alguma vez o reconheceu em sua verdadeira beleza fui eu, porque eu mesmo o fiz. E ao mesmo tempo sou o único a quem ele não pode fascinar, não pode deixar fora de si. Sou o único para quem não tem sentido.”

Quando Grenouille relembra a cena da praça, pensa: “...As pessoas, no entanto, acreditavam que desejavam a mim, e o que elas realmente desejavam permaneceu um segredo para elas.”

Grenouille chega à Paris, ao mesmo local do seu nascimento, ao mesmo cheiro.

Mistura-se ao redor de uma fogueira - como sempre sem ser notado - entre os ladrões, prostitutas, assassinos, desesperados, famintos. E ali derrama em si todo o conteúdo que carregava do “Perfume”, e após um momento de maravilhamento das pessoas, é por elas devorado.

Grenouille atira contra ele a arma mais poderosa que tinha em mãos, o Amor.

Saindo de Grasse, Grenouille havia decidido morrer. Já tinha experimentado viver com as pessoas e se refugiado delas, e nem uma ou outra ideia lhe agradava. E sua decepção o fez saber que o reconhecimento desejado era uma ilusão.

Caira na própria armadilha, o “Perfume” na Place dus Cours também distinguira o que havia de mais profundo no coração de Grenouille...

 “...O que ele sempre havia desejado, ou seja, que as outras pessoas o amassem, tornava-se, no instante do seu êxito, insuportável, pois ele mesmo não as amava, mas as odiava. E de repente soube que jamais encontraria satisfação no amor, mas tão-somente no ódio, no odiar e no ser odiado.”

Grenouille descobrira que o amor das outras pessoas não lhe trazia satisfação, não só porque não era atribuído para ele próprio, mas porque não amava as pessoas, e a satisfação do amor, é amar! A possibilidade de sua sobrevivência sempre fora na ausência do amor. Conclui que o sentimento que o mantém é unicamente o ódio.

“...Uma vez, uma única vez, queria ser considerado em sua verdadeira existência e receber de outra pessoa uma resposta ao seu único sentimento verdadeiro, o ódio.”

 Grenouille caminha pela história em personificação de como na maioria das vezes caminha - dentro e fora - o Mal. Nas sombras, imperceptível, inodoro, mas incômodo, sugador, destrutivo, disfarçado, invejoso, egoísta.

A obra de Patrick Süskind primeiro nos convida à uma viagem fora da lógica, e nos conta muita coisa, muito mais que a história de um assassino... metáforas ao mal, ego, identidade, poder, manipulação, pureza, carisma, inocência, desejo. Seu cenário desvenda um pouco desse universo de aromas, dos óleos vegetais, da destilação à vapor, enfleurage, das notas olfativas, da vibração etérea que os óleos essenciais exercem. E nas entrelinhas conta-nos de Espírito, Unidade, Presença, Insights, Amor... porque sua obra tem o tema “Essência” !

Talvez Süskind se sinta como seu personagem “...Os outros só se submetem ao seu efeito, sim, nem se quer sabem que se trata de um perfume o que sobre eles atua e fascina.”.

 “O Perfume” é sinônimo de “O Amor”.

Como cita: “... a temível beleza”a fragrância do Amor Maior. A centelha divina e viva além da matéria.

Patrick Süskind, ao meu ver, faz uma genial metáfora na história de O Perfume criando um elo essencial entre Vida e Amor:

 “...recém-nascido Grenouille se decidira contra o amor e, mesmo assim, a favor da vida.”(*2)

Amor e Vida, pulsação única universal, além do tempo e do nosso pequeno entendimento.

Grenouille recém-nascido contra o amor, passa sua trajetória na melhor das hipóteses como um farsante.

Escolhera vida sem Vida. E o desfecho desta história enigmática fecha a mandala da sua existência com a "morte" do ego.

 Jean-Baptiste Grenouille rende-se. Retorna a sua origem - para por Amor ser enfim
consumado!

 “...Embora o estômago lhes pesasse um pouco, seus corações estavam bem leves. Em suas almas sombrias havia, de repente, um clima eufórico. E em seus rostos repousava um suave brilho de felicidade, um brilho de donzela. Daí talvez o pudor de alçarem o olhar e se olharem nos olhos. Quando o ousaram, primeiro furtivamente e depois abertamente, foram obrigados a sorrir. Estavam extraordinariamente orgulhosos. Pela primeira vez, haviam feito algo por amor.”

 

Fim 

07 março, 2022

O Sofrimento e o "Gutemberg"

Esse texto pode ser ouvido também no podcast Sentidos


Às vezes eu penso que o sofrimento, ainda é igual àquela minha primeira semana no Gutemberg.

O pré já foi um desafio, mas nada comparável a Johannes Gutemberg – que era o nome da escola onde fui cursar a primeira série. Acho que fiquei semanas imaginando o quão terrível seria ir para aquela escola. Romper as horas que eu passava com minha mãe, ou brincando em casa ou na rua com as amigas.

Aquela escola era o pesadelo, era longe, paredes e escadas de concreto cinza. Janelas estilhaçadas, muros pichados. O cheiro esquisito e entorpecente que vinha da cozinha até hoje não saiu do meu nariz. Me lembro de olhar com nostalgia pelos buracos da janela, sonhando em voltar para casa, com saudades de tudo, enquanto a professora tava lá explicando as letrinhas.

Até que não demorou muito e eu dei uma leve surtada...  Com muito choro... me recusei a ficar naquela escola. Daí, veio a professora me acalmar e ela teve um plano... me colocar como primeira da fila e me deu a tarefa de recolher todos as cadernetas para serem carimbadas com presença – todo dia então eu teria essa responsabilidade. E assim foi... que me dando algum sentido para ir para escola, que arduamente consegui terminar aquele ano até finalmente sair de lá. Da segunda à oitava série, foi quase o paraíso, tinha amigos, a escola era mais perto, bem arrumada e com jardim – foi uma obra do Maluf na época.

No segundo grau, fiz técnico numa escola bem disputada. Foi complicado de novo romper vínculos, muitos não davam conta e saiam. Mas na sala cada um tinha vindo de uma escola, poucos se conheciam, e nisso nós fomos formando bons vínculos nesse primeiro ano. Mas eu suava frio em toda aula de matemática. Já no segundo e terceiro ano, nos dividiram, e pouco podíamos conversar porque viramos salas concorrentes, dentro dos trabalhos que seriam desenvolvidos. Foi outro ano bem difícil, além de estudar de noite, a maioria trabalhava e chegava esgotada na escola. Era todo mundo bem independente e tinha uma frieza coletiva. Meus maiores vínculos afetivos tinham virado ocupados e concorrentes! Me deprimi horrores nesse ano.

É assim o sofrimento. Porque somos seres interdependentes, seres de vínculos. Tudo ao nosso redor nos faz. Paredes, texturas, cores, cheiros, imagens, vibrações, sons, pessoas, tudo ao redor.

Desastres, guerras, separações, perdas, mortes, pandemias, preconceitos, discriminações, desmatamentos, poluição. Tudo que nos divide, causa medo, sofrimento e dor.

E nesse sentido podemos minimizar sofrimentos, o quanto mais soubermos sobre interdependência. Podemos ser mais conscientes em fazer escolhas, e em tornar o mundo um lugar mais bonito, limpo, unido, acolhedor e pacífico. Tarefa nossa a de cultivar jardins tanto externos quanto internos.



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A Graça da Vida





Data estelar: Sol e Júpiter em conjunção; Lua cresce em Áries.

A Graça toda da vida reside em que, apesar de existirmos no exílio dela, convencidos de que tudo por aqui seja uma desgraça, continuamos em busca dela, porque inconscientemente sabemos que não somos nada sem Graça, e sabemos também que, apesar de todas as complicações e encrencas em que nos metemos, quando confiamos incondicionalmente na Graça da Vida, e nos entregamos alegres e despreocupados a ela, eis que acontecem os milagres.
Todas nossas complicações e perrengues derivam de nossa falta de entrega confiante aos mistérios da Vida, tentando estar no domínio, mesmo que, no íntimo, saibamos que não dominamos coisa alguma.
Confiantes de que a Graça da Vida nos protege, ampara e promove subsídios para que brinquemos à vontade nos campos infinitos do Universo, nos transformamos em pessoas alegres, bem-dispostas e amorosas, tratando compreensivamente todos os semelhantes e diferentes.
Mas, porque viciados somos em desgraça, acabamos passando muito mais tempo nela.


Oscar Quiroga



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